O impacto da tecnologia digital em políticas públicas educacionais

Liceu Cavalcante
By Liceu Cavalcante

A educação, política pública central para o desenvolvimento do Estado brasileiro, tem sido impactada nos últimos anos pelas TICs (tecnologias da informação e comunicação), especialmente pelas que visam alterar funções e atividades analógicas para o mundo digital.

Neste contexto, atividades como aprender, refletir, trabalhar, e se relacionar com outras pessoas e os diversos ambientes sociais têm sido profundamente modificadas pelas TICs. Desta forma, a implementação de tecnologias digitais na educação se tornou elemento essencial para a inclusão (ou exclusão) dos alunos em um mundo cada vez mais permeado por plataformas.

Exemplos desse processo incluem o aumento da modalidade de ensino à distância em contraposição ao formato presencial, a substituição de livros didáticos por tablets, e o controle de frequência por reconhecimento facial ao invés da tradicional verificação analógica. Se por um lado o uso das TICs pode facilitar processos manuais diários, economizar tempo e auxiliar a gestão escolar; por outro lado, o uso extensivo e não regulado das tecnologias digitais pode incorrer em riscos relacionados à proteção de dados, privacidade e ao chamado vigilantismo por parte do Estado.

A linha do tempo a seguir apresenta importantes fatos recentes para a compreensão dos impactos da utilização de tecnologias digitais na construção de políticas públicas educacionais, visando contribuir com o debate sobre a efetividade e os riscos do uso de meios digitais na promoção da educação enquanto direito social.

NOVEMBRO DE 2018
O CNE (Conselho Nacional de Educação) altera as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, permitindo que estudantes tenham 20% das aulas à distância, no caso do ensino médio regular, e até 30% no noturno. A medida passa a integrar o conjunto de mudanças estruturais do ensino médio, introduzidas pela alteração da BNCC (Base Nacional Curricular) em 2017, popularmente conhecidas como Novo Ensino Médio. Apesar da alteração, pesquisas alertam que avaliações recentes indicaram a piora do desempenho dos alunos na modalidade de ensino à distância.

AGOSTO DE 2021
É lançada a pesquisa TIC Domicílios 2020, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), que monitora a adoção das TICs no Brasil, mostrou que apenas 64% das famílias de classes D e E possuíam acesso domiciliar à internet, enquanto os lares de classes A e B registraram 100% e 99% de acesso, respectivamente. Além disso, enquanto 100% e 85% dos domicílios das classes A e B possuíam computadores em casa, apenas 50% e 13% das classes C e DE, respectivamente, possuíam ao menos uma unidade do dispositivo eletrônico mais adequado para acompanhar as aulas remotas.

NOVEMBRO DE 2021
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta em relatório que mais da metade dos alunos entre 15 e 17 anos matriculados na rede pública de ensino não possuíam equipamentos ou acesso à internet para acompanhar as aulas durante a pandemia. Em contrapartida, o percentual de estudantes da rede particular na mesma faixa etária com acesso à tecnologia para acompanhamento das aulas era de 90%.

ABRIL DE 2022
O MEC (Ministério da Educação) destina R$26 milhões para a aquisição de kits de robótica para escolas de Alagoas. O TCU (Tribunal de Contas da União) constata superfaturamento dos equipamentos adquiridos via Orçamento Secreto, sendo que boa parte das escolas não possuía computador ou acesso à internet, requisito para a utilização dos equipamentos. O Tribunal também verifica, no estado alagoano, que as escolas beneficiadas com os kits não possuem infraestrutura básica, saneamento básico, internet, laboratório de informática ou formação adequada de professores para administrar os kits.

SETEMBRO DE 2022
O Ministério das Comunicações aprova a criação de programa para ampliação do acesso de escolas públicas à internet em banda larga, destinando R$10 milhões do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para empresas prestadoras de serviços de telecomunicações e outras entidades que desenvolvem soluções de conectividade.

JANEIRO DE 2023
No Paraná, tecnologias de reconhecimento facial são utilizadas para captar expressões faciais, monitorar emoções e gerar gráficos e índices de desempenho dos alunos em sala de aula. Os algoritmos empregados na classificação de emoções, além de falhar na identificação, podem atribuir sentimentos negativos com maior frequência em pessoas negras. Além disso, o estado do Paraná contrata sistema de armazenamento de dados biométricos de alunos da rede pública pelo valor de R$4,5 milhões.

No mesmo mês, o Congresso Nacional aprova a Lei n. 14.533, que institui a Política Nacional de Educação Digital.
Dentre os objetivos da lei, estão potencializar os padrões e incrementar os resultados das políticas públicas relacionadas ao acesso da população brasileira a recursos, ferramentas e práticas digitais, com prioridade para as populações mais vulneráveis. A política pública é estruturada em quatro eixos: I – Inclusão Digital; II – Educação Digital Escolar; III – Capacitação e Especialização Digital e IV – Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação.

ABRIL DE 2023
A ONG Human Rights Watch realiza investigação que revela que sites das secretarias de Educação de Minas Gerais e São Paulo, utilizados para disponibilizar vídeo-aulas e materiais para estudantes, coletaram dados pessoais das crianças e adolescentes, inclusive fora do horário escolar, e os encaminharam para empresas especializadas em publicidade comportamental.

AGOSTO DE 2023
O APP (Sindicato dos trabalhadores em educação pública do Paraná) convoca uma greve, chamada de Plataforma Zero, contra o uso de aplicativos e dispositivos digitais em sala de aula. Desde o início da pandemia, o governo do estado impôs a utilização de plataformas e aplicativos digitais para realização de rotinas educacionais. Até a presente data estão disponíveis 24 ferramentas que vão desde o registro de presença através do uso de tecnologias de reconhecimento facial, até material didático com erros conceituais e gramaticais. O governo atribui às plataformas o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica no ensino médio; entretanto, a rede de ensino do Paraná não registrou aumento na proficiência dos estudantes.

AGOSTO DE 2023
A Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) anuncia que os livros didáticos do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) seriam substituídos por materiais digitais do Currículo Paulista, programa educacional do Estado de São Paulo, a partir de 2024. Os novos materiais didáticos, slides e apostilas, disponibilizados aos alunos e professores, contam com erros metodológicos, má contextualização, informações equivocadas ou insuficientes, e erros conceituais com o uso incorreto de teorias e conceitos científicos. O caso foi levado à justiça, que determinou que o estado de São Paulo voltasse a aderir ao PNLD. Em resposta, a Seduc-SP informou que vai aderir ao PNLD, sem, no entanto, abandonar os materiais do Currículo Paulista.

No mesmo mês, a ONG MegaEdu, vinculada à Fundação Lemann, e o Ministério da Educação assinam acordo de cooperação técnica para definição de políticas públicas de acesso à internet para escolas públicas. A organização, fundada em 2022, também passou a compor o conselho do Ministério das Comunicações, responsável pela implementação de projetos de conectividade com recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).

Ainda em agosto de 2023, o aplicativo Minha Escola, da Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), utilizado por estudantes e seus responsáveis para acompanharem informações como as notas do boletim escolar e as faltas, é instalado no celular de professores, pais e alunos sem o consentimento dos mesmos. A Seduc-SP informou, por meio de nota, que instaurou procedimento administrativo para apuração do ocorrido.

OUTUBRO DE 2023
Em outubro, após críticas de professores, estudantes e especialistas educacionais ao que ficou popularmente conhecido como “Novo Ensino Médio”, conjunto de mudanças estruturais no ensino iniciadas em 2017, que reorganizou a metodologia de ensino em itinerários formativos, o governo federal encaminha ao Congresso Nacional o projeto de lei que estabelece diretrizes para a Política Nacional de Ensino Médio. Entre as mudanças, está a vedação da oferta de disciplinas por meio da educação à distância. De acordo com o texto, as aulas online serão autorizadas excepcionalmente com autorização do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação.

Link para matéria: https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2024/02/16/o-impacto-da-tecnologia-digital-em-politicas-publicas-educacionais
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